quarta-feira, 31 de maio de 2017

A Hermenêutica do Dízimo


Rodrigo Martins, Professor de Hermenêutica no I.T.Q. Juiz de fora MG

“Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos Exércitos” (Ml 3.10).

Desejo que sua leitura seja instrutiva e edificante, portanto permaneça até o final.

Uma preciosa norma de interpretação afirma que um texto descritivo pode ilustrar uma doutrina.

As palavras de Jesus:

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! que coais um mosquito e engulis um camelo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.  Mateus 23:23-27

Uma das maneiras mais fáceis de interpretar um texto bíblico é fazendo as perguntas:

Quemo quêquandocomoondeporque e para QUEM.

Aplicando a Mateus 23:23 temos:

– QUEM disse isso? Jesus Cristo.
– O QUÊ foi dito? Para NÃO desprezar o mais importante da LEI, que são o juízo, a misericórdia e a fé e não omitir o dízimo do endro, da hortelã e do cominho.
– QUANDO foi dito isso? Durante o ministério de Jesus quando Ele falava aos seus discípulos e à multidão (Mt 23:1).
– COMO isso foi dito? Pessoalmente por Jesus Cristo.
– ONDE foi dito isso? No Templo em Jerusalém.
– PORQUE foi dito isso? Para abrir os olhos e ouvidos dos seus discípulos e da multidão (e eventualmente dos religiosos), quanto à iniquidade dos fariseus, saduceus e escribas (os religiosos da época) que eram como sepulcros caiados (Mt 23:27).
–  PARA QUEM foi dito isso? Para os escribas e fariseus, os hipócritas, aos quais Jesus Cristo diz logo em seguida no versículo 24: “Condutores cegos! que coais um mosquito e engolis um camelo.” Isso foi dito também para os seus discípulos e à multidão.

No Novo Testamento encontramos em Atos dos Apóstolos a referência solidariedade e a divisão dos bens entre os primeiros cristãos. Atos 2,42 conta como na primeira comunidade os cristãos tinham tudo em comum. O mesmo livro, em 4,36, conta como Barnabé vendeu o campo que possuía e colocou o dinheiro ‘aos pés dos apóstolos’. Também no capítulo 5 diz como Ananias e Safira tentaram enganar a comunidade, escondendo o verdadeiro preço do propriedade vendida. De qualquer forma Pedro (Atos 5,3) diz que o pecado deles não consistiu no fato de não ter dado o dinheiro à comunidade, mas na mentira feita ao Espírito Santo.

Os aspectos concretos do dízimo no Antigo Testamento são regulamentados em Levíticos 27. A décima parte dos grãos, dos frutos e do gado devem ser consagradas ao Senhor. Os grãos e frutos podiam ser dados em forma material, mas também podiam ser convertidos em dinheiro e entregues em dinheiro, mas neste caso o valor devia ser aumentado de um quinto (Levíticos 27,31). O dízimo sobre o gado era feito fazendo passar os animais em fila; o décimo animal era colocado à parte para Deus.

O dízimo pertencia a Deus e era dado aos levitas conforme dito em Números 18,21, como se fosse a herança deles, pois a tribo de Levi não obteve para si, quando o povo entrou na terra prometida, nenhum território. Os animais porém não pertenciam aos levitas. E os próprios levitas deviam dar a Deus o dízimo daquilo que recebiam como dízimo (Números 18:26 seguintes).

O dízimo era dado no templo. Porém a cada 3 anos devia ser levado até o local onde os levitas moravam e doado aos pobres, estrangeiros, órfãos e viúvas, com os quais se devia fazer uma refeição (Deuteronômio 14:28).

É importante notar que o dízimo, na sua origem, não é destinado aos sacerdotes, mas tem como intenção sanar uma desigualdade social: compensar a falta de propriedade que atingia os levitas. Os sacerdotes, além disso, sobreviviam com os sacrifícios que o povo oferecia, que eram diferentes do dízimo.

É importante, falar do aspecto de ensino teológico que há na prática do dízimo: com o dízimo se exprime a convicção que tudo aquilo que se possuiu é fruto da bondade divina.  É o que se percebe do texto citado mais a cima, onde Jesus conta uma parábola que fala do dízimo praticado pelos fariseus no seu tempo, que era meramente uma prática, sem nenhuma espiritualidade. O dízimo em si não seria importante ele explica, mas significa sim, uma das expressões possíveis do reconhecimento da existência de Deus nas nossas vidas. Além do mais Jesus nos ensina que o fundamental da Lei transmitida no Antigo Testamento é a Justiça, a misericórdia e a fidelidade.

A respeito da Casa do Tesouro

Quando Salomão construiu o templo, várias salas ou câmaras foram construídas para diversos fins(I Reis 6:5). Estas dependências, por exemplo, eram usadas como abrigo para os cantores que apresentariam suas músicas(Ezequiel 40:44). Os guardas ocupavam uma destas salas(I Reis 14:18). Certa ocasião uma delas foi usada como esconderijo para Joás(II Reis 11:2 e 3).

Uma destas salas era usada como o lugar onde o dízimo que não era composto apenas de moedas, mas também de produtos agrícolas era entregue e guardado. Neemias usa a expressão ”Casa do Tesouro” para falar de uma destas câmaras ou salas onde eram depositados os dízimos (ver Neemias 10:38). Uma espécie de tesouraria do templo. Portanto, ”Casa do Tesouro” é uma expressão para designar primariamente o lugar(ou espaço) onde o dízimo deveria ser guardado.

A versão James Version (KJV) traduziu a expressão de Malaquias 3 como celeiro ou lugar onde cereais eram depositados, já que grande parte dos dízimos vinha em grãos

Levar à “Casa do Tesouro” significa devolver o dízimo no lugar designado. No caso á igreja a qual a pessoa é membro ou frequenta.

Uma pergunta se faz necessária: é correto que um texto do Antigo Testamento de modo geral ou um texto de alguns dos profetas seja usado como base para se ensinar a prática ou a abstenção de algum preceito? Alguns responderão que sim, desde que se trate da lei moral, a qual continuamos obrigados a cumprir e não da lei cerimonial essa sim, revogada.

A passagem de Gênesis 14.20 por exemplo diz:  E de tudo lhe deu Abrão o dízimoe é corretamente usada para defender a prática do dízimo como supra-legal, ou seja, acima da lei, é um argumento procedente para validá-lo.

Sobre a prática deste patriarca vejamos ainda que:

"Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti." Galatas3: 7,8

"E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa." Gálatas 3:29

O Dinheiro na Igreja

“Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia.No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar.” 1ª Coríntios 16:1,2

“Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?” 1ª João 3:17

Ao lermos os capítulos 8 e 9 de 2 Coríntios, notamos que Paulo desenvolve seu ensino acerca das contribuições. Estes textos se referem à alegria da contribuição, à generosidade, à liberalidade, à presteza em ofertar sem falar em uma ordenança ou exortação sobre um determinado percentual ou dizimo. Veja:

E isto afirmo, aquele que semeia pouco pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará. (9.6) … porque, no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. (8.2) Pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos. (8.4) … assim, como revelastes prontidão no querer, assim a leveis a termo, segundo as vossas posses. (8.11) porque bem reconheço a vossa presteza, da qual me glorio… ( 9.2).

Uma aluna do instituto teológico,  trouxe uma questão certa vez que finaliza de forma lógica a questão:

“Se na obrigatoriedade dava-se dez, no amor não deveriam dar até mais do que dez?”


“O que cuida da figueira comerá do seu fruto; e o que atenta para o seu senhor será honrado.” Provérbios 27:18


“A alma generosa prosperará, e o que regar também será regado.” Provérbios 11:25

“E bem sabeis também, ó filipenses, que, no princípio do evangelho, quando parti da macedônia, nenhuma igreja comunicou comigo com respeito a dar e a receber, senão vós somente; Porque também uma e outra vez me mandastes o necessário a tessalônica. Não que procure dádivas, mas procuro o fruto que cresça para a vossa conta. Mas bastante tenho recebido, e tenho abundância. Cheio estou, depois que recebi de Epafrodito o que da vossa parte me foi enviado, como cheiro de suavidade e sacrifício agradável e aprazível a Deus.” Filipenses 4:15-18

Paulo usa a figura dos sacrifícios do Antigo Testamento com relação às ofertas: as ofertas dos filipenses foram, diante de Deus, “como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus”

Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante de todas as cousas boas aquele que o instrui (Gl 6.6). Paulo, aqui, faz referência à obrigação de dar sustento àqueles que se afadigam no ensino da Palavra. Ensino repetido em 2ª Tessalonicenses 5.12:

“Agora, vos rogamos, irmãos, que acateis com apreço os que trabalham entre vós e os que vos presidem no Senhor e vos admoestam; e que os tenhais com amor em máxima consideração, por causa do trabalho que realizam.”

De fato, existe o direito bíblico (do qual Paulo abriu mão, pelo menos com relação aos coríntios – 1 Co 9.15 – e aos tessalonicenses – 1 Ts 2.7,9; 2 Ts 3.8-9) de os pregadores pastores-mestres serem sustentados pelas suas congregações:

“Assim ordenou também o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho.(v 14)...”

e ainda algo a se considerar sobre as contribuições dos dízimos e ofertas:

“Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina; Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário.” 1ª Timóteo 5:17,18

Como isso tudo ocorrerá sem dízimos e ofertas?

Por fim:

“Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmosQue façam bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa mente, e sejam comunicáveis; Que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam se apoderar da vida eterna.” 1ª Timóteo 6:17-19