quarta-feira, 11 de outubro de 2017

‘Não sejas demasiadamente justo’ e A Necessidade de Interpretação.



“Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” Eclesiastes 7:16

Sou “puxado” para aquilo que queima meu peito e me pego refletindo nas disciplinas que amo lecionar: Hermenêutica, Filosofia da Religião e Teologia Contemporânea.

O problema com o demasiadamente justo, é que ele não entende e não aceite o propósito de Deus em nos transformar, que não seja em seus termos. (não que alguém entenda ação de Deus, mas sim que seja resiliente, às vezes). O que o autor de Eclesiastes quer nos ensinar é que o justo não deve esperar ser tratado pela proporção da sua justiça. A leitura de todo o livro de Eclesiastes será esclarecedora para compreender o versículo em análise.

Não seria exagero por exemplo dizer que vivemos constantemente interpretando. Desde o momento em que começamos nosso dia, interpretamos o humor, conversas, o jornal da manhã, os sinais de trânsito, a expressão do rosto do nosso chefe. Alguns desses atos de interpretação são tão naturais e frequentes que não pensamos quando agimos. Quando vejo um sinal vermelho eu paro. Pronto interpretei!

Livros e outras formas de texto são no entanto mais difíceis de interpretar. Estamos engajados numa conversação com o autor, entretanto o autor não está lá para responder quando procuramos esclarecimentos.

Semelhantemente, a Bíblia demanda toda a nossa energia interpretativa se estivermos prontos a compreender o seu significado correto. Primeiro, ela nos incentiva ao diálogo com um grande número de autores humanos, de Moisés, que viveu por volta do ano 1500 a.C., a João, que viveu no final do primeiro século. Mais importante ainda é que a Bíblia nos leva a conversar com Deus. 

A Infinitude de Deus é experimentada por nós num contraponto à nossa finitude. Deus é percebido como maior que o mundo no mundo. Senhor da história na história. Inominado no nome.  Indisponível na mediação criada à nossa disposição.  Eterno no tempo.

Por causa de textos como estes, reflexões como estas, procuro em sala de aula, reproduzir o que considero de melhor em  Karl Barth  um dos maiores pensadores protestantes do século XX:

Deus não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano, “Totalmente Outro”, e só pode ser conhecido quando nos fala. Deus fala ao homem como a bomba explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada no terreno, e essa cratera é a igreja.

Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e chamou suas idéias de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus. Este era seu legado kantiano. Para ele, até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.

A própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo, mas ainda é pecador.

Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus.

GRONDIN, Jean. Hermêneutica. Editora: Parábola.
BARTH, Karl. Revelação de Deus Como Sublimação da Religião. Editora Sinodal.
BARTH, Karl. Introdução a Teologia Evangélica. Editora Sinodal.
LIBÂNIO, J. B. Teologia da libertação: roteiro didático para um estudo. Edições Loyola.
HARDING, John. Filosofia Para Iniciantes. Editora Vida Nova.
WOLFHART, Pannenberg. Filosofia e Teologia - Tensões e Convergências de uma Busca Comum. Paulinas.
MILLER, Stanley J. ,  GRENZ, Ed. L.  Teologias Contemporaneas. Editora Vida Nova
https://teologiacontemporanea.wordpress.com/2009/10/07/a-influencia-de-immanuel-kant-na-teologia-contemporanea/

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